Uma doença nova altamente contagiosa na era das redes sociais e da
informação rápida e muitas vezes imprecisa. O resultado é desinformação,
mentira, fake news ou algum outro sinônimo ao gosto do freguês.
Dos remédios milagrosos –que não funcionam– aos absurdos de que máscara
e vacinas fazem mal, abaixo estão algumas das mentiras mais ouvidas na pandemia
e como combatê-las. Informações Folhapress
"A Covid-19 pode ser curada ou prevenida com remédios"
Não há nenhum remédio que cure ou consiga prevenir a Covid, segundo as
principais entidades de saúde do mundo, entre elas a OMS (Organização Mundial
da Saúde).
Há, no momento, somente drogas que conseguem ter impacto sobre o curso
da doença. A grande pesquisa Recovery demonstrou que o corticoesteroide
dexametasona reduz a mortalidade em pacientes com Covid grave.
O anticorpo monoclonal tocilizumabe foi outra droga a apresentar
resultados positivos. No estudo Recovery, a droga mostrou efeito em pacientes
hospitalizados com hipóxia (baixa oxigenação no sangue) e quadro de inflamação,
diminuindo o tempo de internação, necessidade de ventilação invasiva e
mortalidade. Mas, ao contrário da dexametasona, o tocilizumabe é caro e possui
menor disponibilidade.
As duas drogas têm ação e objetivo semelhantes: reduzir a inflamação
dos pacientes graves, que costumam ter quadros de tempestade inflamatória, na
qual o corpo ataca a si mesmo.
Outros medicamentos ainda estão em estudo.
"O certo é começar a usar os remédios logo no início dos sintomas,
depois não funcionam"
Nenhum medicamento usado no início dos sintomas da Covid se mostrou
eficaz contra a Covid. Hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina,
nitazoxanida, vitamina D, zinco e por aí vai. Todas as drogas tidas como parte
do "tratamento precoce" –que não existe– não são eficazes contra a
Covid.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o próprio Ministério da
Saúde, apesar das evidências contrárias, incentivaram e indicaram o uso dessas
drogas contra a Covid.
Algumas delas, de início, em testes in vitro, mostravam-se
interessantes para análise em pesquisas em humanos. Tais estudos foram
realizados e não encontraram efeitos benéficos. Dessa forma, esses medicamentos
não fazem parte das orientações de tratamento das principais entidades de saúde
nacionais e internacionais.
Um caso curioso é o da ivermectina. Até mesmo a indústria farmacêutica
que desenvolveu a droga, a Merck (MSD, no Brasil) veio a público afirmar que
estudos mostram não haver benefício no uso do vermífugo contra a Covid.
Nesta quarta (31), a OMS afirmou que a droga não deve ser usada fora de
testes clínicos e que se deve combater a prescrição indiscriminada do remédio
sem eficácia, o que pode trazer mais malefício do que benefício.
Vale destacar que a verificação de efeito de uma droga se dá por
estudos duplo-cegos, randomizados e com grupo controle. Assim, é possível
minimizar vieses que possam interferir no resultado da pesquisa.
"Os remédios do 'kit Covid' são usados há anos para outras
doenças, mal não vão fazer"
De fato, os remédios do "kit Covid" são usados há bastante
tempo para outras doenças. Isso, porém, não quer dizer que possam ser usados
sem riscos contra a Covid.
Um exemplo simples é o caso da aspirina e da dengue. A droga,
amplamente conhecida, não é indicada para a doença transmitida pelo Aedes
aegypti pelo maior risco de sangramentos.
Já há documentação de hepatites medicamentosas derivadas do uso do
"kit Covid" –o que levou um paciente do interior de São Paulo à lista
de transplante de fígado. Também há relatos de mortes, segundo reportagem do
jornal O Estado de S. Paulo.
Essas drogas estão sendo prescritas –mesmo sem evidência científica de
suporte– em doses e frequências normalmente não estudadas.
"É só uma gripezinha"
Embora a maior parte dos casos de Covid-19 se pareça com uma gripe
comum, uma pequena parte dos doentes tem um processo inflamatório grave,
espalhado pelo corpo. Hoje, os médicos consideram a Covid-19 uma doença
complexa, que exige tratamentos para diversas partes do corpo ao mesmo tempo a
fim de evitar a morte nos pacientes em estado mais grave.
O vírus se conecta a um receptor específico, o ECA2, que está presente
em células do sistema respiratório, intestino, rins e vasos sanguíneos. Nessas
áreas, o efeito do invasor para destruir as células é direto e localizado.
A presença do vírus desencadeia a tempestade de citocinas, proteínas
que regulam a resposta imunológica, e que surgem para ajudar o corpo a se
defender do invasor. Mas em alguns casos essa resposta pode ficar descontrolada
e atrair mais células inflamatórias para a região, o que prejudica ainda mais
os órgãos afetados pelo vírus.
"Pessoas jovens não sofrem os mesmos efeitos deletérios da
Covid-19 que os mais velhos"
Apesar de pessoas mais velhas terem um risco maior de morrer, os mais
jovens também correm risco de morte.
Recentemente, tem sido observado um aumento substancial de jovens
internados em UTI. Há também a questão de possíveis sequelas da Covid, tema
ainda não totalmente compreendido e estudado.
"Todo mundo tem que pegar a doença para chegar na imunidade de
rebanho"
A imunidade de rebanho, ou seja, uma fatia grande o suficiente da
população imunizada a ponto do vírus ter dificuldade para circular, deve
ocorrer somente com vacinação em massa. As experiências no mundo de deixar que
a população se infecte para atingir a imunidade coletiva se mostraram
fracassadas, como no caso da Suécia.
No Brasil, em regiões onde o Sars-CoV-2 teve grande circulação, como em
Manaus, também não se viu a propagandeada imunidade de rebanho ao mesmo tempo
em que houve níveis de mortes altíssimos, colapso do sistema de saúde, e falta
de oxigênio e drogas para intubação.
A ideia se mostra , portanto, inviável pelo tamanho da perda
humanitária que acarretaria.
"O número de mortes divulgado pela imprensa é exagerado"
Os números da Covid divulgados por iniciativas como a do consórcio de
veículos de imprensa são provenientes das secretarias estaduais de Saúde. Ao
invés de exagerados, os dados são subestimados, considerando que no início da
pandemia, em especial, houve considerável subnotificação das mortes provocadas
pela doença.
Algumas reportagens também mostram dados de mortes do Registro Civil,
que, mesmo com algum grau de atraso, reforçam a gravidade e os números
elevadíssimos de óbitos por Covid.
"A vacina pode causar a Covid-19"
Sintomas muito leves que podem aparecer após a aplicação de uma vacina
não indicam que a pessoa foi infectada com o vírus nem são sinais de que o
imunizante não é seguro. Essas reações mostram que o sistema imunológico está
em estado de alerta e trabalhando para construir as defesas contra o patógeno
e, assim, evitar o surgimento ou o agravamento da doença.
"A vacina pode te transformar em jacaré ou inserir um chip de 5G
no seu corpo"
Em dezembro, o presidente Jair Bolsonaro disse que a Pfizer, uma das
fabricantes mundiais da vacina, não se responsabiliza por efeitos colaterais e
que "se tomar e virar jacaré é problema seu". "Se virar um
super-homem, se nascer barba em mulher ou homem falar fino, ela [Pfizer] não
tem nada com isso", afirmou.
É impossível que qualquer medicamento ou vacina transforme uma espécie
animal em outra. Também não é verdade que a vacina pode dar superpoderes, fazer
crescer barba ou alterar o tom da voz de uma pessoa.
A frase "virar jacaré" virou meme e até foi criado um site
chamado jacaré-tracker para monitorar quantas pessoas já viraram jacaré após
tomar a vacina. O acumulado até agora é zero.
Uma outra teoria conspiratória surgiu alegando que as vacinas contra
Covid-19 produzidas na China iriam implantar um chip 5G no corpo das pessoas.
Dentre os componentes das vacinas estão água, sais, estabilizantes, adjuvantes,
como o hidróxido de alumínio, que ajuda a aumentar a resposta imunológica,
açúcar e até derivados de ovo, mas não há microchips. Ou seja, sem upgrade
gratuito na conexão do celular.
"A vacina altera nosso DNA"
As vacinas de RNA, inéditas no mundo, foram aceleradas devido à
emergência sanitária. Por utilizarem o material genético do vírus para induzir
resposta imune no organismo, as vacinas que usam essa tecnologia, como é o caso
da Pfizer/BioNTech e da Moderna, conseguiram sair na frente da corrida por um
imunizante contra o coronavírus.
Mas não tardou até que surgissem desinformações sobre a sua forma de
ação e até mesmo vídeos em que supostos médicos ou especialistas alegam que as
vacinas são capazes de modificar o material genético dos humanos.
Na verdade, pelo próprio mecanismo de ação, é impossível que as vacinas
de RNA alterem nosso DNA celular pois elas nem sequer têm contato com o núcleo
das células, onde está a nossa informação genética.
O RNA das vacinas vem empacotado em uma vesícula de lipídeos (gordura)
capaz de entrar na membrana celular. Dentro das células, o RNA mensageiro
carrega uma mensagem, no caso o código para a produção da proteína S do Spike,
e ao ser lido ("traduzido"), várias cópias dessas proteínas virais
são produzidas. Essas proteínas virais são reconhecidas como corpos estranhos
(antígenos) e induzem à resposta imune.
A partir daí, a resposta imune é igual à que seria gerada caso fossem
utilizadas vacinas mais tradicionais, como aquelas que usam fragmentos do vírus
ou o vírus morto.
"A vacina pode causar danos neurológicos ou coágulos"
Durante os testes das vacinas, foram reportados dois eventos adversos
graves nos testes da vacina da Oxford/AstraZeneca, um deles um caso de mielite
transversa, uma doença neurológica grave. Após análise dos especialistas, não houve
comprovação de associação do evento com a vacina.
Em março de 2021, foram reportados casos de coágulos em pessoas
vacinadas com a vacina da Oxford em diversos países europeus.
O número de casos, no entanto, era muito pequeno e, após uma análise da
agência regulatória europeia, concluiu-se que o imunizante não está associado a
um aumento do risco geral de coágulos nas pessoas vacinadas, tampouco foi
possível comprovar que a vacina tenha provocado os casos.
No Brasil, a ocorrência de efeitos adversos graves nos vacinados
corresponde a 0,007%, segundo dados do Ministério da Saúde, considerando ainda
as duas vacinas aplicadas, a Coronavac e a da Oxford/AstraZeneca. Ambas têm se
mostrado seguras e os efeitos mais comuns reportados são dores de cabeça, dores
no corpo e fadiga.
"As vacinas foram desenvolvidas rápido demais e não são
seguras"
A gravidade da pandemia do novo coronavírus fez com que empresas e
centros de pesquisa tivessem à disposição muito mais recursos para desenvolver
imunizantes.
Além disso, aumentou a colaboração mundial entre cientistas em busca de
vacinas. O fato de milhares deles estarem pesquisando o mesmo assunto aumentou
a chance de que alguns estudos dessem certo.
Por fim, agências reguladoras e governos agilizaram autorizações para
os testes clínicos e foi mais fácil achar dezenas de milhares de voluntários
para as pesquisas, ainda mais ao se levar em conta os elevados números de
infectados no mundo.
Esse esforço fez com que as vacinas pudessem ser criadas muito mais
rápido que foram para outras doenças. Apesar disso, os imunizantes seguiram
todas as etapas de testes clínicos, de segurança e de registro por autoridades
sanitárias, no caso daquelas que já foram autorizadas.
"Máscara faz mal à saúde"
As máscaras podem ser desconfortáveis –especialmente no calor–, mas não
há estudos que indiquem que elas fazem algum mal à saúde, desde que feitas e
usadas de acordo com as recomendações das autoridades sanitárias.
As máscaras devem ser feitas com materiais que filtram as partículas
maiores, mas ainda permitam a passagem do ar para não haver risco de
sufocamento. Elas devem ser usadas bem ajustadas, sem espaços entre a máscara e
o rosto.
"Máscara de pano não funciona contra o coronavírus"
Pesquisas têm mostrado a eficácia de máscaras de pano para minimizar o
risco da transmissão de vírus respiratórios, incluindo o Sars-CoV-2. Segundo
testes feitos em laboratório, máscaras de tecido feitas com três camadas podem
filtrar a mesma quantidade de gotículas que uma máscara cirúrgica.
Para funcionar, a máscara precisa estar seca e bem ajustada ao rosto.
Especialistas recomendam respiradores do tipo PFF2 (N95) para situações de
maior risco.
"O lockdown não funciona"
Inúmeros exemplos comprovam que o lockdown é eficaz para conter a
transmissão do vírus.O Sars-CoV-2 é transmitido de uma pessoa infectada para
outra principalmente por gotículas de saliva –algumas menores que podem
permanecer suspensas no ar por horas. Quando o contato entre as pessoas é
reduzido, a circulação do vírus diminui.
Um exemplo de lockdown bem sucedido vem da cidade de Araraquara (a 273
km de São Paulo), que viu as mortes causadas pela Covid-19 caírem drasticamente
após adotar uma série de medidas restritivas mais severas.