A dor de perder o pai e o marido para o coronavírus tem sido multiplicada para Márcia Cristina dos Santos, 50. Esposa do sargento da Polícia Militar José Romildo Pereira, morto em 2 de abril, e filha de Benedito dos Santos, 84, que veio a óbito dois dias depois, ela tem sofrido com o preconceito nas ruas.
As pessoas recusam atendimento a ela e pedem atestado médico em estabelecimentos.
“Eu sai de casa duas vezes para resolver questões da morte do meu marido, fui ao cartório e ao banco. Nos dois lugares, sofri preconceito: ‘É a esposa daquele PM que morreu daquela doença’, disseram no cartório. No banco, uma atendente se recusou a me atender sem atestado médico. Isso porque eu estava de máscara, seguindo todos os protocolos”, lamentou a mulher, que é enfermeira.
Márcia teve o coronavírus, ficou isolada em casa com a mãe, que levava a alimentação na porta do quarto, por 14 dias. Depois desse período, ela se recuperou e não tem mais a doença nem risco de contaminar ninguém. Mesmo assim, só fica de máscara em casa e nas ruas. “Eu não quero pegar essa doença de novo. Estou também cuidando da minha mãe, que é idosa”, disse.
O sargento José Romildo era o responsável na casa por resolver questões burocráticas e, além da dor, Márcia precisa cuidar de todos os trâmites cartoriais.
“Eu perdi os dois homens da minha vida. Se eu pudesse pedir três coisas, seriam: para que as pessoas se cuidassem, para que não me maltratassem, tivessem respeito e consideração”, ressaltou.
Planos destruídos
O coronavírus entrou na casa de Márcia, no Gama, em um momento planejado para ser o mais feliz de sua vida. Por ter sido por meio de transmissão comunitária, não é possível saber de onde veio a doença.
Os pais dela vieram a Brasília em 12 de março e ficariam na cidade até maio. Os aposentados Adalgiza Gonçalves, de 86 anos, e Benedito dos Santos, 84, saíram de Uraí (PR), para visitar a filha e o genro.
Os irmãos dela também viriam. A grande expectativa era a aposentadoria do marido. Eles aproveitariam a fase para fazer diversas viagens em família para comemorar. À época, o Brasil tinha poucos casos da doença, estava aparentemente controlado, mas o cenário mudou rapidamente.
No dia 18, o pai de Márcia foi o primeiro a apresentar os sintomas. “Ele começou a ficar muito cansado e esquecido”, conta.
Quatro dias depois, em 22 de março, o marido começou a ter sintomas de gripe, febre. Ela e o sargento chegaram a ir ao hospital e o diagnóstico foi: uma gripe alérgica.
Em 26 de março, os sintomas pioraram e o marido foi internado com indícios de pneumonia e quadro semelhante aos pacientes com coronavírus. O tratamento foi no hospital Maria Auxiliadora, no Gama.
No mesmo dia, o pai piorou e foi internado no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN).
“Chorei no chuveiro”
Em 2 de abril, Márcia soube da morte do marido por conhecidos. “Eu não sabia que ele tinha morrido e as pessoas estavam prestando condolências”, disse. No dia 4, o pai faleceu.
“Eu ligava o chuveiro e chorava embaixo dele para minha mãe não saber. Não queria que ela ficasse mal. Depois eu contei”, relatou.
Os dias passam e Márcia não pode ter contato com amigos ou familiares. “As pessoas deixam as coisas para mim na garagem e eu pego depois. Estou tendo atendimento médico porque tenho amigos”, desabafou.
Márcia está recuperada da Covid-19, mas não dos efeitos que ela provocou em sua família e do temor que ainda provoca. “É um pesadelo que eu não acordei ainda. Às vezes, acordo à noite e procuro pelo meu marido na cama. Íamos comemorar 10 anos de casados”, disse.
Casos no DF
Segundo o último boletim divulgado pela Secretaria de Saúde do DF, o Distrito Federal superou a marca de mil casos confirmados do novo coronavírus na noite dessa quinta-feira (23/04). De acordo com balanço atualizado às 21h11, 1.085 pessoas já tiveram resultado positivo para Covid-19 na capital do país. Da Redação com informações do Metrópoles