Ela caminha devagar, olha com desconfiança para mim, mas
pega uma cadeira e senta ao meu lado. Vejo que é uma garota assustada e que
precisava ter cuidado com as palavras. Tento um bate-papo e pergunto: como está
sua vida depois do crime? Ela me olha e baixa a cabeça respondendo: “estou
tentando me recuperar, deixa o vento levar... Eles agiram como Judas, fingindo
ser meus amigos”.
O desabafo é da jovem de 17 anos que é vítima de estupro
coletivo no município de Bom Jesus (a 634 km de Teresina, no extremo sul do
Estado). É a primeira entrevista concedida após o crime.
No dia 20 de maio, a jovem foi encontrada seminua,
amordaçada e com a boca cheia de pedaços de isopor para evitar que gritasse por
socorro. Ela estava no chão em uma obra em construção no Centro da cidade. Seu
pescoço estava mordido e amarrado com a própria roupa. Havia lesões nas mãos,
cotovelos e costas. Ela foi socorrida por uma pessoa que morava próximo e
levada desacordada para o Hospital Regional de Bom Jesus.
Estudante do 1º ano do ensino médio, a adolescente mudou
drasticamente sua rotina após o crime ocorrido por volta das 23h.
Os detalhes dos abusos ela não lembra, mas segundo o
inquérito da polícia os abusos sexuais aconteceram com a vítima desmaiada.
Ela está tendo acompanhamento psicológico. Recentemente, a
jovem retornou a frequentar a escola. Conta que se inscreveu no ENEM (Exame
Nacional do Ensino Médio) para o curso de medicina veterinária. Ela nasceu em
Brasília e há um ano veio morar em Bom Jesus. Ela admitiu durante entrevista
que um vizinho tentou lhe violentar sexualmente quando tinha 15 anos em
Brasília. A vinda para o Piauí acorreu para fugir de novas investidas do
agressor.
A vítima não conta detalhes do abuso em Brasília por medo de
retaliação e disse que quer permanecer em Bom Jesus.
Visivelmente abalada, ela pondera nas palavras, reflete
antes de dar qualquer opinião e relata os momentos que consegue lembrar naquele
fatídico dia. A entrevista é acompanhada pela sua tia, que é uma espécie de mãe
para ela.
“Fui para a praça sozinha, me sentei em um banco e os
meninos estavam lá, um pouco distante de mim. Três deles vieram me
cumprimentar, deram boa noite e eu respondi e fiquei ali. Aí, um deles me
perguntou se eu queria ir com eles para a outra praça. Não vi nenhum mal e fui,
eram todos conhecidos. No meio do caminho decidiram ir para a laje (obra em
construção) e fui. Ficamos conversando e um deles falou que era a última vez
que íamos nos encontrar e que ninguém sabia o dia de amanhã. Eu perguntei se
ele ia morrer e disse: não. Nunca veio na minha cabeça que ia ser comigo”.
Ela lembra que eles contavam piadas e mais dois adolescentes
apareceram em uma moto e achou esquisito o comportamento de um deles.
Vítima (de blusa vermelha) abraçada a tia |
A jovem é uma garota que fala pouco, retraída e de uma
família de evangélicos. Ela conta que está evitando ir à igreja e fazer
passeios à noite.
“Tenho medo de acontecer novamente comigo. Meu pânico é de
encontrar com eles na rua”, diz.
Na entrevista, ela conta sobre o recomeço, os traumas e o
preconceito que sofre já que as pessoas a culpam pelo crime.
A tia da adolescente de 35 anos – que pediu para não ser identificada – se
indigna com certos comentários e comportamento na rua.
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